O diálogo permanente associado à tecnologia compõem a fórmula que contribui para a superação de conflitos entre trabalhadores e empresários no Mato Grosso do Sul. É o Projeto ODR TEC – sigla em inglês para Online Dispute Resolution Technology –, que busca estabelecer consenso para solucionar, de maneira rápida e efetiva, demandas coletivas e repetitivas recorrendo à mediação on-line com as ferramentas tecnológicas disponíveis.
A iniciativa aumentou o número de acordos em demandas e reduziu o tempo de tramitação processual no Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (TRT24). Em um ano, foram solucionados 803 processos envolvendo uma única empresa e pagos valores superiores a R$ 8,5 milhões a trabalhadores e trabalhadoras. O projeto também é responsável pela realização de mais de 700 audiências que alcançaram índices de conciliação superiores a 80%.
A prática, desenvolvida pela juíza Déa Marisa Brandão Cubel Yule, coordenadora do Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas do 1º Grau do TRT24, foi vencedora na categoria Demandas Complexas ou Coletivas da 12ª edição do Prêmio Conciliar é Legal, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “O ODR TEC visa a acelerar a tramitação de processos coletivos ou repetitivos recorrendo às técnicas de mediação para resolução de disputas. Utilizamos ferramentas de Tecnologia da Comunicação e da Informação em benefício da solução de conflitos”, explica. “Entre os recursos utilizados estão aplicativos como o Zoom e WhatsApp para mediação virtual e programas do pacote Office, como Word, Excel e mala direta, para sincronização dos diálogos.”
O trabalho alcança qualquer categoria profissional e setor empresarial, como serviços, comercio e indústria. “Qualquer trabalhador que tiver demandas coletivas ou mesmo demandas repetitivas em face do mesmo empregador, é passível de adesão ao Projeto ODR TEC.” Segundo ela, mais de mil pessoas foram beneficiadas nas ações coletivas atendidas e vários processos da mesma natureza se encontram em andamento.
“As ações se encontram em fase de negociação assíncrona, ou seja, uma negociação que se desenvolve fora da sala de audiência, em grupos de WhatsApp, por exemplo.” Déa Yule explica que a partir do ingresso da ação, são criados grupos de diálogo e, posteriormente, marcadas reuniões telepresenciais para ajustes de detalhes e debate de questões importantes. “A medida otimiza o tempo de discussão de todos os envolvidos.”
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Assim que uma ação coletiva ou repetitiva é apresentada, é elaborado um termo de cooperação envolvendo todas as varas trabalhistas do estado onde existam processos em desfavor da empresa. Além de possibilitar a reunião dos processos com o mesmo objeto, a medida amplia a comunicação entre as unidades judiciais. Em seguida, as partes envolvidas nos processos participam da primeira audiência por videoconferência, quando se estabelecem os parâmetros que serão observados. Posteriormente, advogados das empresas e dos trabalhadores, magistrada e conciliadores do Centro de Conciliação buscam ajustar detalhes por meio do WhatsApp.
Essa fase de negociação é realizada atendendo ao tempo que cada parte necessita para análise das propostas. “Tão logo se alcance um consenso, os termos acordados são lançados numa planilha, conferidos e então é gerada uma minuta da sentença que é enviada para os participantes”, destaca Déa Yule. Ela destaca que em menos de um minuto são geradas cerca de 80 atas de audiência. “O tempo empregado em audiências de conciliação, que consumiriam semanas ou meses fora do projeto, é otimizado e tudo está concluído em pouco mais de uma hora.”
A magistrada ressalta que, paralelamente à celeridade alcançada na análise e conclusão da ação, o índice de cumprimento da sentença acordada é sempre de 100%. “Tudo aquilo que foi acordado, sempre foi honrado. Não há registro de compromissos assumidos que não foram cumpridos. Os acordos feitos no Projeto ODR TEC, portanto, não geram passivo de execução”, explica. Ela conta também que os acordos são customizados e possibilitam que a empresa faça uma previsão financeira para pagamentos conforme a disponibilidade de recursos e sem comprometimento da capacidade financeira.
Na avaliação da juíza, a confiança construída pela equipe do Centro de Conciliação junto às partes envolvidas nos processos é um dos principais fatores que contribuem para o índice de sucesso do ODR TEC. “Mostramos que resolver o conflito de forma amigável é bom para todos. Praticamos a escuta ativa, ouvindo os dois lados e formulamos propostas que atendam a todos.” Quando as partes estão dispostas a buscar uma solução amigável, o trabalho é mais fácil. “O restante é obtido pela expertise dos conciliadores.”
O projeto teve início no final de 2019 e, no ano seguinte se fortaleceu, se aperfeiçoou e foi impulsionado, de maneira decisiva, pela pandemia da Covid-19. “Avançamos mais que avançaríamos não fossem as necessidades pandêmicas. Conseguimos fazer melhor do que era feito antes e conseguimos mostrar as vantagens da autocomposição como mais uma porta de acesso ao Judiciário.”
Sobre o reconhecimento obtido com o Prêmio Conciliar é Legal, Déa Yule observa que, além valorizar a equipe do Centro de Conciliação, a premiação contribui para divulgar o projeto, que pode ser reproduzido com sucesso por outros tribunais. “Isso mostra que estamos no caminho certo, prestando um serviço de qualidade para a comunidade. Também é uma forma de valorização das unidades judiciárias, das varas e do próprio TRT24.”
Confiança
A confiança, apontada pela juíza Déa Yule como fundamental para obtenção de resultados no Projeto ODR TEC, também é destacada pelo juiz federal da Seção Judiciária do Amapá (TRF1), Leonardo Hernández Santos Soares, como primordial para o sucesso do projeto “Ampliação e democratização do acesso dos povos indígenas do Amapá à Justiça Federal de forma participativa e com fomento à utilização de soluções conciliatórias e restaurativas”. A iniciativa é desenvolvida em parceria com a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (Apoianp). A prática, que recebeu menção honrosa na 12ª edição do Conciliar é Legal na Categoria Demandas Complexas ou Coletivas, viabiliza soluções consensuais por meio do diálogo e, principalmente, respeito aos costumes dos povos originários.
O trabalho teve início em 2018, quando indígenas promoveram uma ocupação do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Amapá e Norte do Pará. Conforme Soares, na ocasião foi estabelecido um acordo para desocupação e, entre os compromissos assumidos estava a criação de uma porta de diálogo entre Justiça Federal e os povos tradicionais da região.
“Naquele momento, verificamos a necessidade de criação de um mecanismo para diálogo observando e respeitando os costumes desses povos”, explica. O magistrado destaca que, a partir de então, a Justiça Federal passou a conhecer as diversidades e necessidades de cada um dos 10 povos indígenas por meio de reuniões com lideranças e o estabelecimento de uma relação de confiança. A iniciativa conta ainda com a participação da Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público Federal (MPF) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Os 10 povos indígenas do Amapá e Norte do Pará reúnem uma população aproximada de 12,3 mil pessoas distribuída em sete terras demarcadas, seis delas já homologadas. A Região é habitada pelos grupos galibi do Oiapoque, galibi marwono, karipuna, palikur, wajãpi, wayana, aparai, tiriyó, katxuyana e zo’é. Soares explica que, à medida que se desenvolveu, o trabalho ganhou força e verificou-se a necessidade de instituição de um fórum formal. “Assim, a relação de confiança aumentou e os povos indígenas começaram a trazer problemas e dificuldades que enfrentavam”, conta.
A partir de então, o Centro de Conciliação da Justiça Federal do Amapá se tornou referência e passou a mediar temas importantes para os povos originários da área. “Instituímos o fórum permanente, utilizando o sistema de conciliação da Justiça Federal do Amapá para superar conflitos, e organizamos ações de Justiça Itinerante nas terras indígenas.” As demandas envolviam temas como benefícios previdenciários, transporte para atendimento médico e atendimento nas aldeias, acesso ao sistema de votação, manutenção de cursos no Oiapoque, reservas de vagas em concursos públicos e ampliação do acesso à Universidade Federal do Amapá (UFAP).
Com o contato mais próximo, constatou-se a inexistência de intérpretes para indígenas em hospitais ou no próprio Poder Judiciário, problemas que dificultavam ou impediam o atendimento. O juiz explica o Projeto recebia demandas que não eram de competência da Justiça Federal, que orientava a buscar a área competente. “Buscamos tornar a Justiça Federal cada vez mais plural, eliminando qualquer tipo de discriminação. A confiança cresceu e o fórum passou a ser um irradiador de direitos humanos para os povos indígenas.”
Texto: Jeferson Melo
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias