O dito popular diz ‘antes tarde do que nunca’ e no caso de Oseias de Oliveira Frutuoso, 34 anos, o tarde chegou quase uma década depois. Após participar do primeiro encontro do projeto piloto do Núcleo Gestor de Justiça Restaurativa (NugJur) do Tribunal de Justiça do Mato Grosso que aplicou o círculo de construção de paz, no Centro de Detenção Provisória de Tangará da Serra (239 km a médio norte de Cuiabá), o reeducando reconheceu que a ausência de 2 minutos de conversa, poderiam ter evitado uma condenação pelo crime homicídio de 16 anos.
A ação inaugurou o projeto inédito no Poder Judiciário: os círculos de paz nas unidades prisionais; tanto do presídio feminino, quanto do masculino e aos servidores do sistema (agentes penitenciários, professores, psicólogos). O objetivo é implementar o método de restauração e solução de conflitos na unidade. A proposta é idealizada pela presidente do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), desembargadora Clarice Claudino da Silva que também preside o NugJur.
Ao contar sua história, Oseias narrou que foi cobrar uma dívida, mas que não teve paciência para dialogar e acabou cometendo o crime que o privaria da liberdade. “Estava nervoso, ai acabei por fazer o que fiz. Mas certamente se tivesse essa visão de vida no passado teria evitado o crime nas minhas costas”, narrou. Hoje após participar do círculo, o reeducando avaliou que foi muito interessante, diferente e que saiu totalmente da rotina. “Poder externar memórias passadas, coisas simples que fizeram diferença em nossas vidas foi muito edificante. Por meio do dialogo e da conversa as coisas podem ser resolvidas tranquilamente”, concluiu.
E a importância da implementação dessa alternativa de restauração foi enaltecida pela juíza da primeira Vara Criminal de Tangará da Serra, que trabalha com a execução penal, Cristiane Padim. “É bastante motivador, pois o círculo de construção de paz é uma prática que tem o poder de despertar a humanidade. Hoje iniciamos o trabalho com os recuperandos, ao todo são 13 participantes, e também com os envolvidos no sistema penitenciário 15 pessoas. Para que eles possam vivenciar, sentir, experimentar essa possibilidade. Essa metodologia auxiliará tanto os recuperandos, quanto os servidores do sistema”, pontuou.
A psicóloga e facilitadora de Círculos de Justiça Restaurativa e Construção de Paz, Roseli Barreto, explicou que a busca pela humanização das relações devem ser celebradas. “A importância é tudo, pois estamos trazendo uma ferramenta da justiça restaurativa para trabalhar a humanização. Dar vez e voz para cada um e trazer boas expectativas para a pacificação social. Para a equipe técnica e também para quem está privado de liberdade”, comentou.
Os métodos não conflitivos para solução de problemas já são praticas desenvolvidas na comarca. “Essa alternativa já vem sendo aplicada aqui, por meio do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), e também na vara da infância e juventude. O trabalho foi iniciado em outubro nas áreas de proteção a criança e adolescente que inclui Creas, Secretaria de Saúde, Conselho Tutelar e na rede de Educação”, comentou a juíza da infância e juventude e responsável pelo Cejusc de Tangará, Leilamar Rodrigues.
No futuro as ações devem ser expandidas para a Segunda Vara Criminal – que trata a violência doméstica na comarca. “A princípio iniciaremos atuando na violência doméstica com círculos não conflitivos. O objetivo é evitar que haja reincidência e futuras situações de agressões”, disse a juíza da Segunda Vara Criminal, Ana Paula Gomes de Freitas.
Para o defensor público, Iderlipes Pinheiro de Freitas Junior e para o promotor de justiça, Caio Loureiro a ação deve ser celebrada e difundida. “Acredito que esse projeto é saudável e salutar para nossa sociedade. Minimiza os nossos problemas, os conflitos em geral e é extremamente importante”, elogiou o defensor.
O diretor do Centro de Detenção Provisória de Tangará da Serra, Valdinei Parrizi, reiterou a relevância do projeto. “Estamos abertos para ajudar ações como esta no que for necessário, e acredito que isso possa trazer uma mudança de vida. O fato de se conhecer a história do próximo e conviver com o outro já ajuda no sentido de que traz empatia. Isso será muito importante tanto para os reeducandos quanto para os servidores”, concluiu.
A instrutora e facilitadora, Ana Teresa Pereira Luz, esclareceu que é finalidade da Justiça Restaurativa trabalhar nessa área. “Como viemos formar 25 facilitadores a juíza Cristiane se dispôs a trazer para o sistema penitenciário esse método. Nossa expectativa é tocar os corações dessas pessoas que participaram dos círculos restaurativos. Oportunizando a eles a possibilidade de restauração completa e verdadeira”, explanou.
Oportunidade de conscientização – Para o reeducando, Argemiro José dos santos, 36 anos, a iniciativa foi muito enaltecedora. “Estou achando muito bom, porque nunca tinha participado da minha vida de uma roda de conversa assim. Poder falar da minha vida, ouvir também a história das outras pessoas. Estou me sentindo muito bem por dentro e isso trouxe um espirito leve. Pude recordar dos momentos tranquilos da minha vida e eu saio daqui em paz”, narrou.
Já Anderson de Freitas Ferreira, 29 anos, concluiu que o encontro foi mais um aprendizado. “Para os reeducandos aqui dentro, cada oportunidade é de muita aceitação, pois é um aprendizado que nós levamos. Já estou há muito tempo aqui, e isso ajuda a me reabilitar para a reinserção na sociedade. Muitas pessoas que cometem crimes e vem para o sistema penitenciário, ao sair cometem reincidência. Muito por falta de confiança. Ações como essa nos dão segurança de que a sociedade está abrindo as portas”, comentou o reeducando.
Coordenadoria de Comunicação do TJMT