Durante a noite, na região do Largo do Tanque, centro de Salvador/BA, a polícia recebe um chamado para socorrer uma senhora que estava sendo agredida pelo próprio filho. Em uma delegacia próxima dali, uma mulher presta queixa do comportamento do vizinho, que todos os dias urina em seu portão. Em seguida, um caso de furto praticado por um usuário de drogas. Casos assim, que comumente têm finais trágicos, tiveram desfechos satisfatórios para todos os envolvidos graças à atuação do núcleo de Justiça Restaurativa da Bahia – o Núcleo Integrado da Conciliação (NIC) –, que desde 2010 atua em parceria com voluntários, como assistentes sociais, psicólogas e estudantes de Direito, com o objetivo de pacificar conflitos nas comunidades e impedir que outros surjam.
A prática da Justiça Restaurativa é incentivada pelo CNJ por meio do Protocolo de Cooperação para a difusão da Justiça Restaurativa, firmado em agosto com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A introdução da prática atende à Resolução CNJ n. 125, que estimula a busca por soluções extrajudiciais para os conflitos. O NIC é o único núcleo de Justiça Restaurativa de Salvador e atende a região do Largo do Tanque, com população estimada em cerca de 1,2 milhão de habitantes, aplicando métodos e práticas restaurativas a processos em tramitação no Juizado Especial Criminal do Largo do Tanque e a ocorrências encaminhadas por delegacias da região, quando essas envolvem crimes de pequeno potencial ofensivo.
Consenso – O núcleo tem por objetivo alcançar consenso entre as partes e, para isso, envolve a vítima, o infrator, terceiros afetados pela infração e membros da comunidade para refletir e tentar construir uma solução para o problema. De janeiro a junho de 2014, o núcleo atuou em cerca de 50 processos por mês, realizou 458 atendimentos psicológicos às partes, fez 34 encontros restaurativos e estabeleceu 18 acordos. Para a juíza Joanice Maria Guimarães de Jesus, titular do juizado especial criminal do Largo do Tanque, que comanda o núcleo, a Justiça Restaurativa não tem função punitiva, mas de harmonizar os conflitos. “A prática não apenas acaba com o conflito, como restaura as relações quando necessário que continuem em convivência”, disse a magistrada.
A atuação do núcleo é trabalhosa e envolve atendimentos psicológicos, visitações e, muitas vezes, são necessários alguns meses na tentativa de pacificar o conflito. Foi o que ocorreu no caso da suposta agressão do filho a uma senhora. Por meio dos atendimentos do núcleo, foi possível descobrir que, na verdade, a senhora tentava apaziguar uma briga entre seus filhos. No caso, o irmão, 20 anos mais velho que a irmã, possuía um alto cargo e, além de sustentar a casa, pagava a faculdade dela. No entanto, havia descoberto naquela noite que ela nunca havia se matriculado em uma faculdade e estava se prostituindo. Após a intervenção do núcleo, que inclusive conseguiu um emprego em uma loja para a irmã, ela decidiu restituir o dinheiro ao irmão, parar de se prostituir e ambos fizeram as pazes. “Caso não tivéssemos aplicado a Justiça restaurativa ao caso, provavelmente o irmão seria autuado por violência, teria sido afastado da casa, e a família se dissolvido”, acredita a juíza Joanice.
A atuação preventiva é uma das características da Justiça Restaurativa, que impede que novos conflitos surjam. Em um caso que chegou ao núcleo, por exemplo, vizinhos brigavam e se provocavam constantemente. O conflito estava tomando proporções cada vez maiores. Após a intervenção do núcleo, foi possível fazer um acordo entre eles, permitir que entendessem a rotina de cada um e surpreendentemente, tornaram-se amigos. “Muitas vezes enfrentamos a resistência de advogados, que preferem o rito formal que coloca as partes como adversários”, conta a juíza Joanice.
Luiza de Carvalho
Agência CNJ de Notícias