Anderson Carvalho de Freitas, 17 anos de idade, dirige-se, de segunda a sexta, a um arquivo público do Recife, onde passa a manhã manuseando jornais antigos, nos quais realiza pesquisas históricas de notícias. Ao lado de português, geografia, artes e educação física, história está entre as matérias preferidas pelo adolescente que cursa o primeiro ano do ensino médio em uma escola localizada na mesma comunidade em que reside. Mas o maior sonho de Anderson é ser policial. “Desde pequenininho, com 8 anos, eu sonhava em servir ao meu país. Quero servir ao Exército e depois estudar para entrar para o Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais)”, revela.
Ele é um dos 25 jovens já contemplados pelo programa #PartiuFuturo, pelo qual o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) concede, desde 2018, oportunidades a adolescentes de 15 a 19 anos de idade que cumprem medidas socioeducativas em meio aberto. O programa, que possibilita aos jovens prestarem serviços comunitários alocados em atividades do próprio tribunal, foi vencedor do Prêmio Prioridade Absoluta, concedido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na categoria Tribunal, do Eixo Infracional.
“Vencer o prêmio foi a coroação por um trabalho em equipe muito importante, social, que investe nas conquistas de pessoas invisibilizadas. A entrada pela porta da frente do TJPE representa, em nosso projeto, a inclusão dessa pessoa e a valorização de sua história a partir daquela entrada, daquele momento. Isso é muito significativo e empoderador para a juventude”, afirma Keilla Reis, uma das coordenadoras do #PartiuFuturo.
Segundo ela, o cerne do #PartiuFuturo é impactar positivamente a ressocialização dos jovens: “Ao favorecer adolescentes e jovens em cumprimento de prestação de serviço à comunidade com vivências pessoais e profissionais aqui dentro do TJPE, e com desafios e experiências reais em atividades, eles são impulsionados para além da reconstrução dos vínculos com a sociedade, abrindo-se para a observação de si mesmos, e permitindo a própria compreensão como sujeitos de direitos com potencialidades e habilidades que os levem a redefinir o seu presente e futuro”.
Perfil do participante
Uma das características primordiais do projeto é o estudo antecipado do perfil do participante, com olhar na amplitude de seus conhecimentos, seus desejos e áreas que gostam e se visualizam atuando. “Esse levantamento antes do ingresso deles na instituição fortalece o nosso trabalho de um jeito que poucas vezes precisamos fazer mudanças no local escolhido para prestação de serviço. Outras vezes a atividade realizada pelo jovem torna-se sua atividade remunerada em sua comunidade durante e após cumprimento da medida. Isso é impactante”, considera Keilla.
Anderson conta que gostou tanto de trabalhar no arquivo que almeja ser contratado após o cumprimento da medida. Mas, segundo ele, o programa possibilita, por meio do convívio, vivenciar uma experiência para além do aprendizado do serviço desempenhado. “Aprendi a não fazer nada errado, a ter respeito pelo próximo, a cuidar da família”, conta.
No arquivo ele recebeu a orientação de profissionais, assim como em outro setor do tribunal em que prestou serviço anteriormente. “Nos dois locais fui bem acolhido e me senti tranquilo para realizar as atividades. É algo que vou levar não somente para o currículo, mas como experiência de vida: nos faz pensar melhor nos erros, no futuro e que fazer o certo é sempre o melhor caminho”, afirma. Aos 15 anos o estudante foi envolvido em um assalto, pelo qual responsabilizou-se o primo, que é maior de idade, mas já se encontra em liberdade. “Depois que ele foi preso, mudou totalmente. Hoje é pastor, tem uma filha”, comenta.
Promoção da autoestima
Keilla enfatiza que o projeto promove, estimula e tem amostras verdadeiras também de aumento da autoestima e idealização de futuro, de acordo com depoimentos de outros participantes do programa, colhidos pela equipe, como o de um dos jovens segundo o qual a experiência tem “dado muita esperança de ter um sonho e positividade em tudo que levo para continuar a minha trajetória”.
Outro adolescente referiu-se ao futuro de “quando terminasse [a prestação de serviço à comunidade] e ganhasse uma vaga de emprego [no TJPE]”, enquanto um terceiro mencionou ter “mais interesse para trabalhar e ser independente”. “Os impactos positivos expressos são pontos de clara assertividade, de mudança, de satisfação dos participantes, percebendo os impactos produzidos na vida deles. As mudanças de posturas e escolhas no presente para o futuro mostram o efeito assertivo do projeto”, analisa a coordenadora.
Avanços e desafios no projeto
O potencial transformador do projeto na vida dos jovens é motivo de comemoração para Keilla: “A vitória enche de orgulho os servidores que atuam diretamente com os adolescentes bem como a gestão da Coordenadoria da Infância e Juventude e do TJPE, respectivamente, representada pela juíza coordenadora da infância, Hélia Viegas, e pelo desembargador Luiz Carlos de Barros Figueiredo, que acreditaram e seguem acreditando nos inúmeros benefícios para o participante, sua família e a sociedade pernambucana como um todo”.
“Apesar do grande desafio que é o dia a dia no #PartiuFuturo, valeu a pena inovar na justiça estadual e, independentemente do que vier acontecer, sem dúvida estamos otimistas em relação ao futuro, elaborando novidades e apostando em inovação com expectativa de crescimento. É nessa perspectiva que queremos repetir a participação no Prêmio Prioridade Absoluta com avanços ao nosso projeto”, destaca.
Entre os desafios do projeto, encontra-se a quebra de paradigmas que ele representa para a sociedade brasileira. Em um dos setores, chegou a acontecer o sumiço de um celular. Como não houve provas ou evidências para relacionar o ocorrido com o adolescente, apesar do estigma que por vezes recai sobre os jovens que prestam serviços à comunidade, ele não foi responsabilizado. “O princípio da inocência prevalece. Se não houver prova material correspondente ao jovem, ele permanece conosco. Procuramos combater preconceitos”, afirma Gizelly Couto, que também atua na coordenação do projeto.
Desde o início do #PartiuFuturo, os jovens tiveram a oportunidade de ser orientados para executar as atividades de recepção do público geral; organização, conservação e preservação de documentos; digitalização de processos; acompanhamento do desenvolvimento de softwares; seleção e edição de fotografias e acompanhamento de pautas para realização de registro fotográfico; suporte nas redes sociais e produção de conteúdo para divulgação nos espaços de comunicação e mídia institucional; apoio na realização de eventos e atividades culturais promovidos pela instituição.
“Tanto os setores como as atividades atribuídas podem variar conforme o projeto vai ampliando e ganhando novos contornos no curso do seu desenvolvimento, seja do ponto de vista da adesão dos setores à iniciativa como do perfil e habilidades que cada jovem possui, ou mesmo devido ao aumento do quantitativo de beneficiados a cada ciclo de atendimento”, explica a coordenadora do projeto.
Para ela, além das atividades diretamente relacionadas ao cumprimento da medida socioeducativa, o projeto propõe a oferta de atividades temáticas de caráter formativo, como também possibilita a participação dos adolescentes e jovens em programas institucionais do TJPE, voltados à promoção da saúde, cultura e lazer. “A partir desse ano, o projeto introduziu em seu cronograma de ações a realização de práticas restaurativas, enquanto fruto de uma parceria estabelecida entre as equipes do Partiu Futuro e o Serviço de Justiça Restaurativa da CIJ (Coordenadoria da Infância e Juventude). Essa rica experiência oportunizou novas formas de escuta, de vivência e construção de vínculos entre os jovens e seus respectivos familiares, as equipes dos serviços, e equipe do projeto”, acrescentou Gizely.
Atuação em três dimensões
Gizely conta que o projeto tem como propósito atuar em três dimensões importantes para o Poder Judiciário, sendo que a primeira é a ampliação das ações de responsabilidade social praticadas na instituição, com o objetivo de aproximar de forma efetiva o Poder Judiciário da sociedade e, com isso, possibilitar a construção de outras relações socioculturais entre o jovem em conflito com a lei e a Justiça.
A segunda está pautada em fomentar as medidas socioeducativas em meio aberto, estabelecendo parcerias locais com os órgãos do Poder Executivo Municipal responsáveis pela execução da Política de Assistência Social e outros agentes do Sistema de Garantia de Direitos, visando desenvolver ações integradas voltadas à concretização da proteção integral. “A terceira, e mais importante delas, na qual reside a essência do nosso trabalho, é a possibilidade de oportunizar experiências de desenvolvimento pessoal e profissional para os jovens em conflito com a lei, com foco nos efeitos pedagógicos que a medida socioeducativa deve produzir”, conclui.
Texto: Mariana Mainenti
Edição: Jônathas Seixas
Agência CNJ de Notícias