Em meio ao crescente número de notícias sobre violências de todos as formas contra a mulher, sentenças que garantiram o direito de trabalhadoras ao adotarem o protocolo de julgamento com perspectiva de gênero para reconhecerem a existência de assedio no ambiente de trabalho marcaram o primeiro semestre de 2022 no Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT10). O protocolo foi instituído em 2021 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para abordar a questão estrutural da violência sofrida pela mulher na sociedade. Em fevereiro deste ano, ele se tornou a Recomendação CNJ n. 128/2022.
No final de junho, ao analisar reclamação de uma costureira que era regularmente chamada de “capivara” e “vaca” por seu empregador, a juíza Roberta de Melo Carvalho, em atuação na 5ª Vara do Trabalho de Taguatinga (DF), reconheceu o direito da trabalhadora em ter seu contrato rescindido de forma indireta, com direito à percepção de verbas trabalhistas devidas nesse tipo de dispensa. A magistrada lembrou, na sentença, que essa é uma triste realidade que ainda permeia diversos sistemas sociais e assola o país, o que justifica a necessidade de se adotar o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero. A prática abusiva, explica a magistrada, é continuado e sutil e pode produzir efeitos psicossociais de dimensões catastróficas, especialmente quando a violência é dirigida contra a mulher.
O julgamento com perspectiva de gênero não é uma faculdade do magistrado, mas uma imposição constitucional, frisou a juíza Natália Queiroz Cabral Rodrigues, da 22ª Vara do Trabalho de Brasília. Em maio, ela garantiu o recebimento de diferenças salariais para uma consultora que realizava o mesmo trabalho que seus colegas homens, mas recebia remuneração inferior. Segundo a magistrada, não existe justificativa para que a trabalhadora atuasse com as mesmas responsabilidades, tarefas e jornada dos consultores homens, mas recebesse salário menor.
“Julgar com uma perspectiva interseccional de gênero implica cumprir a obrigação jurídica constitucional e convencional para realizar o princípio da igualdade, por meio do trabalho jurisdicional para garantir acesso à Justiça e remediar as relações assimétricas de poder, situações estruturais de desigualdade, bem como a tomada em consideração à presença de estereótipos discriminatórios de gênero”, ressaltou a Natália Rodrigues.
Também sob o fundamento de que a proteção das trabalhadoras contra qualquer forma de discriminação, independente da causa, está prevista na Constituição Federal, a juíza Katarina Mousinho de Matos Brandão, atuando na 4ª Vara do Trabalho de Brasília, adotou o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero para condenar um empregador a indenizar por danos morais uma empregada que era obrigada a usar batom e cobrir as tatuagens durante a jornada de trabalho, sob pena de demissão. A magistrada lembrou, na sentença assinada em abril, “que fatores histórico/culturais enraizados na nossa sociedade patriarcal perpetuam a discriminação contra a mulher, com a adoção do estereótipo misógino como consta na peça contestatória e transcrita nesta sentença”.
Questões sociais
Outros temas também tiveram destaque nos julgamento do TRT10 no período. Entre eles, o reconhecimento da prática de preconceito por conta da idade – o chamado idadismo – e, ainda, decisões que garantiram a aplicação da chamada lei de cotas e a realização de trabalho remoto para trabalhadores, em razão do crescimento de casos da Covid-19 no começo do ano.
O idadismo é um fenômeno social multifacetado que a Organização Mundial de Saúde (OMS) define como estereótipo, preconceito e discriminação, explicou a juíza Ananda Tostes Isoni, em exercício na 21ª Vara do Trabalho de Brasília. Ela condenou o Metrô/DF a indenizar uma médica dispensada sem justa causa exatamente em razão de sua idade. Ao demitir empregados aposentados sem justa motivação, em benefício de novas contratações com salários menores, a empresa promoveu ato prejudicial ao grupo que, em razão de sua idade e tempo de serviço, obteve o direito ao benefício previdenciário. Segundo a sentença, proferida em junho, a prática institucional que restringe a oportunidade de pessoas em razão de sua idade.
Outras duas decisões do TRT10 garantiram a necessidade de respeito, pelas empresas, da chamada Lei de Cotas, que obriga empresas com mais de 100 empregados a contratarem um percentual – que varia de 2% a 5% – de seu quadro com pessoas com deficiência ou reabilitados, conforme determina a Lei 8.213/1991. Em abril, a Terceira Turma do Tribunal obrigou o Hospital Santa Helena – Rede D’Or São Luiz S/A a cumprir a cota e ainda condenou a empresa ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. Ao votar pela manutenção da sentença de primeiro grau, o relator do caso, juiz convocado Antônio Umberto de Souza Júnior, revelou que o hospital não demonstrou ter realizado efetivamente esforços para preencher as vagas com PCDs ou reabilitados.
Outra decisão da Terceira Turma, em julgamento realizado em maio, reformou sentença que havia anulado um auto de infração aplicado a uma empresa por descumprimento da lei de cotas. Relator do recurso, o desembargador Pedro Foltran salientou em seu voto que a empresa apenas ofereceu anúncios relativos às vagas para candidatos às cotas, mas não tentou efetivamente adotar medidas de inclusão social nem se valeu de outros meios possíveis para o preenchimento das vagas. Para o relator, a empresa – de grande porte – poderia, além de apenas divulgar as vagas, “procurar entidades específicas de atendimento que atuem na área de atenção à pessoa com deficiência e reabilitados”.
Covid-19
Dois anos depois de seu começo, a pandemia da Covid-19 seguiu tendo reflexos na pauta do Judiciário trabalhista no início de 2022. Em ao menos três oportunidades, o TRT10 precisou garantir o direito ao trabalho remoto como forma de prevenir a doença. Em janeiro, a juíza Natália Queiroz determinou ao Banco do Brasil que colocasse em trabalho remoto os empregados da instituição que se encontravam nessa situação no final de 2021. Mandou, ainda, que a instituição financeira promovesse o encerramento do expediente nas dependências em que se verificasse caso confirmado da Covid-19. Diante do aumento de casos da doença no período, a magistrada lembrou que a preservação da saúde dos trabalhadores é medida que se impõe em razão do comando constitucional que aponta a saúde como direito social fundamental e a obrigatoriedade do empregador de manter a salubridade do meio ambiente do trabalho.
Em fevereiro, a juíza Audrey Choucair Vaz, atuando na 16ª Vara do Trabalho de Brasília, atendeu pedido do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento e suspendeu o retorno ao trabalho presencial em unidades da Embrapa em Brasília. Para a magistrada, com a situação de emergência sanitária ainda vivida na época, não seria razoável a manutenção do trabalho presencial quando este pudesse ser substituído pelo regime de teletrabalho ou por escala de revezamento.
No mesmo sentido foi a decisão do juiz Antonio Umberto e Souza Júnior, titular da 6ª Vara do Trabalho de Brasília, que também em fevereiro garantiu o direito ao teletrabalho para empregados do Conselho Federal de Nutricionistas que fazem parte do grupo de risco para covid-19. O magistrado também se baseou no recrudescimento da doença em decorrência da variante ômicron e ressaltou que os direitos fundamentais à saúde e à vida, previstos no artigo 196 da Constituição Federal, devem ser preservados ao máximo.
Fonte: TRT10