Mulheres vítimas de violência doméstica que buscam o Sistema de Justiça se sentem frustradas e não ouvidas. E se o tempo voltasse atrás, não estariam dispostas a passar por todo o processo novamente.
A conclusão é da pesquisadora Marília Montenegro de Mello, ao analisar amplo estudo sobre a aplicação da Lei Maria da Penha (n. 11.340/2006), nos casos de violência doméstica que tramitam na justiça do País. A pesquisa tem como objetivo ajudar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a diagnosticar entraves na aplicação da Lei Maria da Penha pelo Judiciário.
O estudo faz parte da 2ª Edição da série “Justiça Pesquisa”, idealizada e custeada pelo CNJ, que abordou seis temas relacionados ao Judiciário brasileiro.
A frustração no curso da denúncia e da instauração de processo nos casos de violência doméstica foi um dos pontos analisados no diagnóstico elaborado pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Foram entrevistadas 75 vítimas de violência, de sete cidades brasileiras – Recife, Maceió, João Pessoa, Belém, São Paulo, Porto Alegre e Brasília. De acordo com a coordenadora da pesquisa, Marília Montenegro de Mello, além de traçar o perfil socioeconômico da vítima e do agressor, a pesquisa “deu voz a ela”.
Revitimização
As narrativas das vítimas revelaram frustração em relação ao tempo de tramitação do processo, considerado muito longo. A maioria das mulheres entrevistadas também afirmou se sentir revitimizada durante o percurso do processo. Entre os motivos apontados para a frustração estavam as expectativas em relação ao autor de violência. Os dados revelaram que 39% das vítimas não pretendia, ao denunciar o companheiro, que ele fosse preso. Apenas 16% das entrevistadas afirmou ver na pena privativa de liberdade uma possibilidade de solução.
Quando questionadas se voltariam a buscar o Sistema de Justiça criminal no caso de sofrerem novas agressões ou se recomendariam o processo a alguém, a maioria das vítimas afirmou que somente recomendariam o processo por não enxergarem outra forma de proceder. “Não é por acreditar na possibilidade de resolução do conflito por meio do processo penal, mas por saber que não poderia fazer justiça pelas próprias mãos”, diz Marília Montenegro.
A maioria das entrevistadas (57%) tinham entre 26 e 40 anos de idade e, em quase 70% dos casos que envolviam violência conjugal, o casal tinha filhos menores de idade. Em 45% dos casos, as vítimas possuíam um relacionamento longo com o autor da agressão, variando entre 7 e 30 anos. Nos relacionamentos de média duração (entre um e sete anos) os números também foram expressivos, representando 28% dos casos.
Mulher sustenta a casa
Além das entrevistas, os pesquisadores analisaram cerca de 1.750 decisões judiciais; uma média de 250 processos por cidade. “A ideia é entender como a Justiça vê e decide sobre a violência doméstica contra a mulher”, disse a coordenadora. A maioria dos casos analisados (97%) foi de relacionamento conjugal.
Os resultados do estudo ajudam a desconstruir o mito de que o homem violento sustenta a casa. Em 31% dos casos de violência analisados é a vítima quem paga os gastos domésticos; em 21% o autor da violência e em 24%, ambos participavam do pagamento das contas do lar.
A pesquisa revelou também a reação da mulher após sofrer a violência. Segundo o relatório, 36% se separaram do agressor após a experiência; 21% logo após e 15% ainda passaram um tempo antes de se separarem. Casais que mantiveram o casamento representam 31%, apesar de 8% deles terem experimentado um período de separação logo após o fato.
Falta de especialização
Além das vítimas, a pesquisa também quis entender o perfil dos juízes que trabalham com o tema e o resultado foi preocupante. Segundo a Marília Montenegro, dos 24 magistrados de varas especializadas entrevistados, apenas quatro tinham algum tipo de capacitação na área. “Percebemos que há ausência de critério na escolha dos juízes escolhidos para as varas de violência doméstica. E isso vai impactar no tratamento recebido pelas vítimas, familiares e autores de violência nas unidades judiciárias, tanto na delegacia como no Judiciário. E em todos esses espaços há frustração por parte do jurisdicionado”, afirma.
O estudo, que também foi feito com grupos focais de equipes multidisciplinares dos tribunais, chegou a uma conclusão surpreendente em relação a percepção das vítimas e autores e o trabalho dos juízes e advogados nas suas causas. “As partes saem da audiência sem entender o que se passou. As equipes nos reportaram que eles (psicólogos e assistentes sociais) precisam traduzir, esclarecer, as questões jurídicas para a vítima, assim como para o autor de violência”, disse a coordenadora da pesquisa, que apontou como fundamentais os grupos reflexivos para homens, pois esclarecem as situações de gênero e permitem que as consequências de suas ações sejam conscientizadas.
A pesquisa ainda deverá passar por análise e adequação técnica do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do CNJ antes de ser publicada no Portal do órgão.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias