A experiência do Rio Grande do Sul no resgate de direitos de mulheres presas e seus filhos foi a prática vencedora na categoria “Governo” da premiação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para projetos e ações bem-sucedidos em favor da primeira infância. As medidas gaúchas são divididas em dois grupos: ações nas unidades prisionais com gestantes e mães presas com filhos de até um ano de idade; e medidas direcionadas às famílias de detentas que ficam com as crianças maiores.
Os trabalhos desenvolvidos pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul começaram, em 2012, na Unidade Materno-Infantil do Presídio Feminino de Porto Alegre. Em 2016, por força do Marco Legal da Primeira Infância, as ações foram ampliadas para todos os presídios femininos do estado por meio do mapeamento das mulheres que possuem filhos menores de seis anos. E, em 2019, houve expansão das ações para os presídios mistos e semiabertos que possuem população feminina.
Nas ações feitas nos presídios, profissionais transmitem para as gestantes e mães com filhos de até um ano informações sobre os cuidados com o bebê e a importância do vínculo entre mãe e filho. Como reforço, foram criados, nas prisões, ambientes menos duros e mais lúdicos para propiciar as trocas afetivas entre mãe e filho.
Nas atividades externas feitas com as famílias que cuidam dos filhos maiores das detentas, um profissional do projeto Primeira Infância Melhor (PIM) visita essas famílias e trabalha o fortalecimento das competências das pessoas para cuidar e educar as crianças que estão separadas de sua mãe por causa do encarceramento.
Ao longo do trabalho, a Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul notou que, em muitas situações, essas famílias estão em um espectro de vulnerabilidades. Apesar das dificuldades e do aumento do encarceramento de mulheres, as ações feitas nos presídios e com as famílias que abrigam os filhos das detentas têm se tornado referência para projetos da primeira infância em âmbito nacional e internacional.
Reconhecimento
A premiação dessa e de outras 11 práticas de destaque em iniciativas que tem mudado para melhor a vida de crianças entre zero e seis anos de idade ocorreu durante o Seminário Pacto Nacional pela Primeira Infância – Região Sudeste, realizado nos dias 2 e 3 de dezembro em São Paulo. Ao receber a premiação, a coordenadora do projeto no Rio Grande do Sul, Gisele Mariuse da Silva, disse que o reconhecimento da prática feita pelo CNJ abre outras oportunidades para aumentar o número de mulheres atendidas.
“Nossa preocupação é com a criança em situação de vulnerabilidade. Atendemos um número grande de famílias, mas ainda podemos crescer. Preocupa-nos que o número de detentas também esteja subindo nos últimos anos, mas temos o privilégio de trabalhar em um projeto transformador, que pode trazer esperança para o futuro das crianças”, disse.
A preocupação de Gisele tem fundamento. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen Mulheres, nos últimos 16 anos, a taxa de aprisionamento de mulheres subiu 455% no Brasil. O índice levou o país a deter a quarta maior população prisional feminina em termos mundiais. Esse dado foi citado no relatório “Promoção de direitos para as mulheres privadas de liberdade e seus filhos: A experiência da Primeira Infância Melhor (PIM) no Rio Grande do Sul”.
Esse relatório constatou que a realidade da mulher gestante e da que amamenta nas prisões brasileiras é marcada por uma série de violações de direitos e restrições. Apenas 14% das prisões brasileiras apresentam dormitórios exclusivos para gestantes e lactantes. Também 14% oferecem um ambiente adequado para a presa permanecer com seu bebê em condições de amamentá-lo e 14% é ainda o percentual das unidades prisionais femininas ou mistas que contam com berçário para bebês de até dois anos de idade.
Práticas premiadas
A chamada pública para seleção, premiação e disseminação de boas práticas relacionadas à promoção de direitos e à atenção à primeira infância foi lançada em julho de 2019 pelo CNJ como uma das ações do projeto “Justiça Começa na Infância: fortalecendo a atuação do Sistema de Justiça na promoção de direitos para o desenvolvimento humano integral”.
Os três primeiros lugares das categorias “Empresas”, “Governo”, “Sistema de Justiça” e “Sociedade Civil Organizada” passam, agora, para o próximo passo do programa, que é a disseminação das práticas. Em junho de 2020, o CNJ iniciou um curso online com este objetivo. O treinamento é voltado aos profissionais do Sistema de Justiça, de órgãos públicos e da sociedade civil que atuam com a primeira infância e outras pessoas interessadas no tema.
Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias
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