O secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), juiz Valter Shuenquener, afirmou que a explosão da judicialização da saúde fez o Poder Judiciário repensar a maneira como respondia a essas demandas. “Tínhamos um contexto caótico antes do assessoramento técnico em matéria de saúde. De 2008 a 2017, tivemos um crescimento de 130% do número de ações judiciais de saúde só na primeira instância, enquanto as demandas de outros temas aumentaram 50% no mesmo período”, afirmou, destacando o apoio técnico oferecido pelo Banco Nacional de Pareceres (Sistema e-NatJus), lançado em 2018.
Ao consultar o sistema, magistrados e magistradas têm acesso a milhares de notas técnicas favoráveis ou contrárias a tratamentos, emitidas em resposta a demandas anteriores por especialistas com base na medicina de evidências, ou pode ainda fazer nova solicitação. As observações de Shuenquener foram feitas nessa segunda-feira (29/11) no 4º Seminário Jurídico de Seguros, evento que contou com apoio do CNJ. Fornecer respaldo técnico aos magistrados, segundo o secretário-geral do CNJ, desestimula a judicialização desnecessária, como a “migração” de ações judiciais de acordo com a notícia de que determinado juízo já concedeu a outra pessoa o direito ao tratamento médico de que um paciente busca.
A previsibilidade das decisões judiciais também evita um desequilíbrio de competitividade entre as empresas que operam no setor. “Quando não se tem segurança jurídica, gera-se dificuldade de competição. O CNJ está desenvolvendo uma ferramenta para que atores do Sistema Judicial conheçam os precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do STJ (em matérias de saúde), sejam elas vinculantes ou não.”
Base científica
De acordo com o subprocurador de Justiça de São Paulo e membro do Comitê Executivo Nacional do Fórum da Saúde do Poder Judiciário, Arnaldo Hossepian, o momento é de abandonar quaisquer preconceitos contra o uso de informação com base científica. As consultas à plataforma já resultaram na publicação de cerca de 58 mil notas técnicas para subsidiar com conhecimento técnico as decisões judiciais desde dezembro de 2018, quando a plataforma foi lançada.
Hossepian considera o e-NatJus benéfico tanto para usuários do sistema público de saúde quanto para aqueles assegurados por plano privado. “[Recorrendo ao sistema,] poderemos fazer com que tenhamos prioridades no investimento em saúde, considerando um orçamento público tão diminuto face ao volume de demandas em saúde. Sabemos também que qualquer gasto desnecessário da operadora implicará em aumento de mensalidade para usuário, e ninguém quer afugentar nenhum usuário do setor.”
Mais demandas judiciais que envolvem planos de saúde poderiam ser resolvidas com o apoio do e-NatJus, mas a magistratura ainda usa a ferramenta de maneira incipiente. De acordo com a diretora jurídica da SulAmérica, Fabiane Reschke, os pareceres técnico-científicos elaborados por médicos especialistas são aproveitados praticamente apenas para casos relacionados ao Sistema Único de Saúde (SUS).
A especialista defendeu a expansão do uso da ferramenta entre juízes e juízas quando são demandados a obrigar uma operadora de saúde suplementar a fornecer um medicamento ou realizar determinado procedimento médico sem o conhecimento necessário para tomar uma decisão. “O desafio é ter um ciclo virtuoso: aumentar a disponibilidade de pareceres, fomentar seu uso e trazer qualidade a decisões e garantir a segurança de que o magistrado terá normas técnicas a sua disposição no menor prazo possível.”
Fabiane afirmou ainda que, em muitos casos, um pedido encaminhado à Justiça pode não ter como resultado a garantia do direito à saúde do usuário de plano de saúde que faz a solicitação. Muitos pedidos de realização de cirurgias bariátricas, por exemplo, não são considerados casos de urgência ou emergência depois de passar pela análise de um especialista, ao contrário do que alegam nas petições iniciais usuários de plano de saúde que entram na Justiça.
Resultados
Em Tocantins, a adesão da magistratura do Tribunal de Justiça à plataforma de apoio técnico reduziu a judicialização da saúde – 72% menos processos ingressados no tribunal local, entre 2018 e 2019. O e-NatJus venceu eventuais resistências, ligadas à independência funcional do juiz para decidir conforme a consciência e seu processo individual de formação de convicção, e hoje é utilizada por 95% dos magistrados.
O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marco Aurélio Buzzi afirmou que o serviço lançado pelo CNJ inaugurou um novo paradigma no tratamento da Justiça a demandas envolvendo serviços de saúde. “O serviço funciona 24 horas por dia, sete dias por semana. Tenho colegas que usam o sistema às 2 horas da manhã. Antes, muitos colegas em comarcas do interior não tinham chance de examinar um livro científico antes de dar uma liminar. Representa uma conquista para magistrado e, portanto, para o jurisdicionado.”
O e-NatJus é fruto do trabalho do Fórum Nacional do Judiciário para o Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde, mais conhecido como Fórum da Saúde do Judiciário, instalado pelo CNJ em 2010.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de NotíciasReveja o evento no canal do CNJ no YouTube