Um termo de compromisso firmado entre o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), o Ministério Público e o governo gaúcho, por meio da Secretaria de Segurança Pública, possibilitou a criação de um fluxo para a produção antecipada de prova no caso de crianças vítimas de violência.
Na prática, isso permite que as crianças vítimas ou testemunhas de violência sejam ouvidas apenas uma vez e nos termos do depoimento especial, técnica que se tornou obrigatória com a Lei n. 13.431, de 2017.
O depoimento humanizado foi desenvolvido para a oitiva de crianças vítimas de violência e abuso sexual. Antes da lei, os juízes já adotavam o depoimento especial com base na Recomendação n. 33, de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O órgão auxilia os tribunais na implantação do depoimento, bem como na capacitação dos servidores por meio de cursos à distância ministrados, nos últimos anos, pelo Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Poder Judiciário (CEAJud) do CNJ.
Com o objetivo de mapear e traçar um diagnóstico sobre as audiências nas Varas de Infância e Juventude de todo o Brasil, representantes do CNJ têm viajado pelo País para pesquisar técnicas de audiências e avaliar as salas utilizadas na tomada desse tipo de depoimentos pela Justiça.
De acordo com o juiz auxiliar da Presidência do CNJ, Alexandre Takaschima, um dos maiores desafios é conseguir a articulação do Estado com o Judiciário para que o depoimento da criança possa ser colhido uma única vez, com validade tanto para o inquérito policial, quanto para o processo na Justiça. “Essa articulação é fundamental para evitar a revitimização da criança”, diz o magistrado.
A articulação entre o Judiciário e o Estado é justamente o que estabelece o acordo firmado em 4 de abril no Rio Grande do Sul. O objetivo é que as instituições se esforcem para que, conforme determina a Lei n. 13.431, o depoimento especial seja tomado em uma única oportunidade para que possa ser considerado durante todo o processo judicial e no inquérito policial. E, em se tratando de violência contra crianças menores de sete anos, seja pedida pelo Ministério Público a produção antecipada de prova.
Essa medida liminar permite que a criança seja ouvida o mais rapidamente possível, sem a necessidade de novas oitivas. Estas providências não impedem a polícia de prosseguir com a investigação e de adotar as medidas necessárias para proteção da criança, bem como o encaminhamento para atendimento em saúde.
O TJ-RS tem sido pioneiro na implantação de salas de depoimento especial nas Varas de Infância e Juventude, projeto que começou em 2003. De acordo com o desembargador do TJ-RS José Antônio Daltoé Cezar, até o fim do ano, todas as 164 comarcas do Estado do Rio Grande do Sul deverão contar com este tipo de salas para oitiva de crianças e adolescentes vítimas de violência.
Hoje, já existem salas em 48 comarcas. “É preciso mudar uma cultura de oitiva de criança para que não seja mais ouvida desnecessariamente e de forma inadequada”. Para o desembargador, a técnica do depoimento especial é trabalhosa pois é preciso esperar o tempo da criança, permitir o relato livre e evitar perguntas diretas que induzem determinadas respostas.
“A criança vê o adulto como uma autoridade e pode responder ‘sim ou não’, apenas na intenção de agradá-lo. Às vezes, é preciso uma audiência de 40 minutos para extrairmos cinco minutos de informações necessárias ao processo”, diz Daltoé.
Decisão do sul determina depoimento especial
A jurisprudênciaJurisprudência é um termo jurídico, que significa o conjunto das decisões, aplicações e interpretações das leis A jurisprudência pode ser entendida de três formas, como a decisão isolada de um... More do TJ-RS tem reafirmado a importância da prioridade na coleta do depoimento especial de crianças vítimas de violência sexual e garantido a aplicação do termo de compromisso firmado com o governo.
No dia 30 de abril, uma decisão dada pelo desembargador Dálvio Leite Dias Teixeira determinou a oitiva de uma criança de cinco anos, supostamente vítima de violência sexual. O juiz de primeira instância havia negado o pedido feito pelo Ministério Público, pela produção antecipada de prova por meio do depoimento especial, postergando a tomada do depoimento da criança.
Conforme a decisão do desembargador, a inquirição da vítima segundo a metodologia do depoimento especial assegura a primazia dos interesses dos menores vítimas de abuso sexual, contribui para o avanço da prestação jurisdicional e permite o resguardo da sanidade psicológica da criança.
Dálvio Leite Dias Teixeira considerou ainda a possibilidade concreta de esquecimento e bloqueio mental de detalhes dos fatos, o que é natural em um ser humano submetido a traumas.
“Além disso, em se tratando de eventual crime sexual contra vulnerável que, por natureza, é praticado às escondidas, sem a presença de testemunhas, é preciso reconhecer especial valor à palavra da vítima para o amparo de eventual condenação”, disse o desembargador Daltoé Cezar, para quem a decisão reafirma a importância do depoimento especial. “Não é o juiz que estabelece a prioridade nos processos, é a lei”, observa o magistrado.
Luiza Fariello
Agência CNJ de Notícias