Durante o ano de 2019, 70 crianças e adolescentes foram acolhidos em adoção no Distrito Federal, quantitativo inferior ao dos anos anteriores: 91, em 2018, e 82, em 2017. Em contrapartida, cresceu o número de reintegrações ao núcleo familiar de origem de meninos e meninas acolhidos nas instituições de acolhimento do DF. Em 2019, 123 retornaram às famílias biológicas, enquanto em 2018 foram 88 e em 2017, 89.
Walter Gomes, supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta da Vara da Infância e da Juventude do DF (SEFAM/VIJ), defende em artigo recente de sua autoria que uma explicação para a mudança desse cenário no DF deve se basear em um conjunto de causas. E a primeira delas seria a queda no número de entradas nas instituições de acolhimento. De acordo com estatística fornecida pela Seção de Fiscalização, Orientação e Acompanhamento de Entidades (SEFAE/VIJ), o número total de acolhidos em 2019 foi de 358. Em 2018 havia sido de 366 e em 2017, de 376.
Uma criança ou adolescente pode receber a medida protetiva de acolhimento institucional ao se detectar uma situação de risco, negligência, abandono, maus-tratos e diversas outras violações de direitos. A medida tem caráter temporário, até o retorno das condições de acolhimento da família, especificadas em um plano criado em conjunto com a instituição de acolhimento, o acolhido e seus responsáveis. Quando as ações planejadas são cumpridas, se viabiliza a reintegração familiar, evento que teve o percentual aumentado em 2019. “Evidentemente que, se menos crianças e jovens adentram o sistema de acolhimento institucional e se os que se encontram nesse regime passam a vivenciar em maior número a reintegração familiar, tais fatos repercutirão decisivamente na dinâmica do cadastro de aptos para adoção, ocasionando sua retração”, aponta Walter Gomes.
Como medida excepcional, a adoção se aplica quando é constatada a impossibilidade de retorno ao núcleo familiar original. Com menos institucionalizados e mais reintegrados, o número de jovens cadastrados para adoção reduziu. Em 2019, 83 crianças e adolescentes do DF entraram no sistema de adoção, ao passo que, em 2018, a soma foi de 109. Outro meio de entrada no cadastro de adoção é a entrega voluntária de crianças recém-nascidas, que também teve decréscimo no ano passado, apesar do aumento no número de mulheres que procuraram a VIJ com esse intuito. Das 46 atendidas com vistas à eventual entrega em adoção, apenas 15 confirmaram o ato. “A intervenção psicossocial é voltada precipuamente para a garantia de um espaço de escuta, orientação, reflexão e empoderamento. Com isso, elas têm plenas condições de construir a melhor decisão possível dentro de seus respectivos contextos de vida”, explica o supervisor da SEFAM.
Do outro lado, houve um aumento no número de famílias habilitadas a adotar em 2019 e inseridas no sistema local de adoção da VIJ/DF, reforçando uma tendência do cenário nacional dos últimos anos: o aumento de postulantes ao Sistema Nacional de Adoção (SNA), enquanto há redução no número de crianças e adolescentes aptos à adoção. “Mesmo em número significativamente inferior ao do total de habilitados, crianças e jovens continuam aguardando, em centenas de instituições de acolhimento espalhadas pelo país, a oportunidade de encontrarem uma família que os queira como verdadeiros filhos e filhas”, completa Walter Gomes. Segundo ele, as características que essas crianças e jovens apresentam continuam sendo barreiras que impedem o encontro afetivo-parental entre potenciais pais e filhos.
Trabalho de proteção
“A queda no número de crianças e adolescentes inseridos no acolhimento institucional pode sinalizar algo substancialmente positivo a respeito de eventual fortalecimento da rede de proteção infantojuvenil no âmbito do Distrito Federal”, defende o supervisor da SEFAM. A supervisora da SEFAE, Vânia Sibylla, também acredita nessa hipótese. “Nós temos observado que as instituições de acolhimento têm buscado mais as redes e os equipamentos sociais. Mesmo com a necessidade de as políticas sociais serem constantemente oxigenadas, renovadas e fortalecidas, acredito que a menor entrada dos jovens nas instituições pode sim estar relacionada com o fortalecimento aos poucos dessa rede”, observa Vânia.
Para Walter Gomes, é possível que determinadas políticas setoriais de promoção das famílias estruturalmente mais fragilizadas e expostas a riscos estejam sendo implementadas e gerando efeitos benéficos, entre os quais o fortalecimento protetivo dos laços paterno e materno-filiais, o que contribui para a redução do acolhimento institucional. A supervisora da SEFAE explica que, apesar de não haver um dado estatístico, existe a indicação, por meio do trabalho desenvolvido pela Seção, de que a maior parte das famílias que eventualmente têm filhos acolhidos nas instituições possuem redes de proteção frágeis. “É justamente na vulnerabilidade dessas famílias que o sistema de garantia e de proteção dos direitos das crianças está mais focado hoje”, completa.
Vânia Sibylla acredita ainda que tem se investido mais em alternativas ao acolhimento, em que se destaca o trabalho do Conselho Tutelar articulado com a rede de proteção à criança e ao adolescente. Quando o acolhimento é necessário, tem-se fortalecido o trabalho priorizando o retorno às condições familiares favoráveis, inclusive com reforço legislativo. A Lei nº 12.010 de 2009 prevê que, imediatamente após o acolhimento da criança ou do adolescente, a entidade responsável deve elaborar um plano individual de atendimento, visando à reintegração familiar, ressalvada a existência de ordem escrita e fundamentada em contrário de autoridade judiciária competente, evitando que o jovem fique parado nas instituições. “Acontece que, mesmo com a orientação do técnico, a indicação de risco do Conselho Tutelar, da sociedade, a maioria das crianças e adolescentes não quer o acolhimento. Estão num perrengue com a família, na miséria, mas é junto com a família que eles querem ficar”, ilustra Vânia Sibylla quanto à priorização dada à reintegração.
Quanto a oferecer maior proteção às famílias, dando a elas condições de acolher seus filhos e tirá-los de situações de risco, a supervisora da SEFAE cita a atuação de instituições públicas como a própria Rede Solidária Anjos do Amanhã, programa de voluntariado da VIJ/DF. Também se encontram nesse rol de apoio os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e o Adolescentro. Somam-se a eles instituições privadas como faculdades e outras organizações.
Investir em prevenção
Por meio do trabalho de fortalecimento da família desenvolvido em rede, a supervisora da SEFAE acredita que é possível haver uma espécie de prevenção ao acolhimento. Para fortalecer instituições que promovem esse atendimento a crianças e adolescentes e seus responsáveis, a SEFAE/VIJ também atua no diálogo, na orientação e no acompanhamento delas. Em 2019 foram feitas 27 fiscalizações nessas entidades, que, ao todo, atendem cerca de 8 mil crianças e adolescentes nas atividades previstas em seus planos de ação.
As instituições que prestam esse tipo de assistência, quando preenchem os critérios previstos pela Portaria VIJ 7 de 2016, podem solicitar o Atestado de Qualidade e Eficiência dos Serviços de Atendimento Direto às Crianças e Adolescentes, instrumento previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Elas recebem o atestado após decisão do juiz da infância, fundamentada em avaliação feita pela SEFAE. Atualmente são 126 instituições cadastradas, que solicitaram o Atestado, desde 2015.
Além de políticas de fortalecimento da rede, Walter Gomes lembra ainda o trabalho focado nos primeiros anos das crianças. “Há que se considerar os diversos esforços conduzidos por organizações públicas e privadas no sentido de legitimar e promover o Marco Legal da Primeira Infância”, ressalta.
Para ler a íntegra do artigo “Recuo no número de adoções em 2019 aponta possível novo cenário no DF”, escrito por Walter Gomes, clique aqui.
Fonte: TJDFT