Artigo: Acesso à Justiça fora do expediente normal

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Eduardo Lorenzoni*

“O dispositivo constitucional não deixa dúvidas de que a atividade jurisdicional é contínua. É preciso definir e uniformizar o plantão”

Levantamento feito via internet em 59 tribunais do país alerta para um assunto que ainda não mereceu a devida atenção: os plantões judiciais. A análise, feita nos sites do STF (Supremo Tribunal Federal), STJ (Superior Tribunal de Justiça), TST (Tribunal Superior do Trabalho), Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunais de Justiça, mostrou que apenas 26 -menos da metade- fazem referência, ainda que incompleta, ao plantão jurisdicional permanente exigido pela Constituição Federal. Desses 26, só seis têm uma seção específica sobre o plantão. Entre todos os 59 pesquisados, apenas 14 prevêem plantão permanente como meio de prestação jurisdicional ininterrupta, ou seja, incluindo os dias úteis fora do horário normal de expediente, finais de semana e feriados ou pontos facultativos.

Outros 17 tribunais entendem como plantão apenas o funcionamento em dias não úteis (finais de semana, feriados, pontos facultativos). E ainda: apenas 30 tribunais divulgam na internet a escala ou telefone do plantão. Essas disparidades -que, afinal, dificultam a vida do cidadão- trouxeram o assunto ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que foi acionado para regulamentar a questão. É claro que nenhuma lei obriga os tribunais a divulgar esse tipo de informação na internet. Mas todos sabemos, igualmente, que a rede mundial de computadores se tornou o maior e mais democrático veículo para a circulação de informações. O plantão judicial é de extrema importância. É por isso que, na reforma do Judiciário, aprovada em dezembro de 2004, esse assunto também foi tratado. Desde então, a Constituição estabelece que a atividade jurisdicional será ininterrupta, que não haverá férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau e que, nos dias em que não houver expediente forense normal, haverá juízes em plantão permanente (artigo 93, inciso XII).

Esse dispositivo constitucional não deixa dúvidas de que a atividade jurisdicional é contínua, não podendo sofrer interrupções. O plantão judiciário deve atender aquelas situações que apresentem uma urgência tal que não seja possível aguardar até a reabertura do expediente normal do Judiciário. São exemplos típicos os casos de prisões indevidas e autorizações para participação em concursos. Deve haver, no entanto, regras claras sobre quais questões podem ser resolvidas pelo plantão, pois, em caso contrário, é possível ocorrer burla à distribuição normal dos processos, isto é, alguém alegar uma falsa urgência para que o assunto não seja decidido pelas vias ordinárias. Também deve haver regras que determinem, por meio de critérios objetivos, quais juízes trabalharão durante o plantão, de forma que seja assegurado o cumprimento do princípio do juiz natural, ou seja, o juiz previamente determinado para decidir tal tipo de situação naquele momento. Mas é igualmente muito importante definir e uniformizar para todo o país e para todos os segmentos do Poder Judiciário os períodos nos quais haverá plantão, esclarecendo, por exemplo, se haverá plantão nos dias úteis, fora do horário de expediente normal ou somente nos finais de semana e feriados. Por fim, a forma como o Poder Judiciário funcionará durante o plantão deve ser clara e ostensivamente divulgada, em obediência aos princípios da publicidade, impessoalidade e moralidade administrativa. A ausência ou diversidade de disposições sobre os plantões não ajuda na boa prestação de serviços do Judiciário e, mais do que isso, não assegura o cumprimento da regra constitucional.


(*) EDUARDO KURTZ LORENZONI, 48, é procurador regional da República no Rio Grande do Sul e membro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça)

Artigo publicado em 17 de novembro de 2007