Casais quebram barreiras com adoção tardia e de grupos de irmãos

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Luciana Aragão recebeu a notícia de que quatro irmãos estavam disponíveis para adoção um mês depois que descobriu estar grávida de seu segundo filho. Mas isso não foi motivo para que desistisse da adoção e, hoje, mãe de seis crianças, só tem motivos para comemorar a decisão. Casos como esse ainda são exceções e abarcam os dois principais entraves da adoção atualmente: a adoção tardia e de grupos de irmãos. Hoje, dentro do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), coordenado pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem 6.405 crianças cadastradas, sendo que 5.040 têm idade entre sete e 17 anos e 67,37% possuem irmãos. Em contrapartida, dos 35.127 pretendentes cadastrados, apenas 2.475 aceitam crianças com idade entre sete e 17 anos e 29,66% aceitam adotar irmãos.

No total, em 2014, foram efetivadas 1.100 adoções por meio do CNA, sendo que, destas, 252 foram de crianças com idade entre sete e 17 anos – ou seja, 22,9% –, proporção que apresentou queda no ano seguinte. Em 2015, das 1.261 adoções efetivadas pelo CNA, 207 – ou 16,41% – foram de crianças entre 7 e 17 anos.

Segundo o Cadastro Nacional de Crianças Abrigadas (CNCA), existem 27.262 crianças com idade entre sete e 17 anos vivendo em um dos 3.872 abrigos espalhados pelo país. Essas crianças, em sua maioria, ainda não estão aptas para entrar no CNA por conta de pendências judiciais.

A inadequação das crianças disponíveis para adoção ao perfil desejado pelos pretendentes faz que muitas crianças passem anos nos abrigos, à espera de uma família. Em 2014, quando seu filho biológico tinha oito anos, Luciana Aragão, funcionária dos Correios em Brasília e que estava há três anos na fila da adoção, recebeu uma ligação da Vara de Infância e Juventude do Distrito Federal perguntando se o casal tinha interesse em conhecer quatro irmãos, com idades entre 1 e 7 anos. Segundo Luciana, os profissionais da Vara ficaram surpresos ao verem que, mesmo Luciana estando grávida de dois meses, aceitou prontamente tentar a adoção dos irmãos, que estavam há dois anos vivendo em um abrigo. “A adoção tem de vir de um desejo grande de ser pai e mãe. Somos muito felizes com eles”, conta Luciana.

Adaptação – Desde o primeiro dia em que o mais velho dos irmãos adotivos conheceu o casal e seu futuro irmão, ele passou a dormir, no abrigo, com a foto dos três embaixo do travesseiro. Já no primeiro dia de convivência chamava Luciana de mãe. “Foi um processo complexo e meu filho mais velho foi uma peça-chave para a adaptação das crianças, juntou-se rapidamente com o menino de sete anos, tornaram-se muito companheiros”, conta Luciana. O casal aceita com naturalidade que o filho adotivo mais velho conte suas memórias do passado e se surpreendeu ao ver que, mesmo as privações que o menino passou, são encaradas por ele de forma positiva. “São as histórias dele, nunca evitamos nem reforçamos o assunto”, diz.

União – “Nasceram nossos filhos”, foi o que disse a empresária Nelly Carretero, quando contou ao seu marido que havia recebido uma ligação do Fórum de Sorocaba/SP, em novembro de 2001, avisando que dois irmãos, de cinco e seis anos, estavam aptos para adoção. Um ano antes, o casal havia perdido o seu filho biológico de sete anos, vítima de um atropelamento. A filha mais velha, à época com nove anos, insistia para que a família, embora muito abalada, não abandonasse o desejo de adotar uma criança.

Quando conheceu as crianças no abrigo, a identificação foi grande e Nelly teve de segurar o desejo de levá-los para casa naquele momento, o que ocorreu meses depois. A experiência com a adoção dos irmãos foi tão positiva que, depois de sete anos, o casal adotou mais um menino de nove anos. “Os quatro são muito unidos, e o tratamento que demos a eles foi sempre igual”, conta.

Pouco estímulo – Embora não tenham tido dificuldades em relação à criação de vínculo afetivo com as crianças, tanto Luciana quanto Nelly tiveram que se esforçar para recuperar o aprendizado e educação das crianças, que foram pouco estimuladas nos abrigos. “Imagine uma criança de seis anos que não sabe ainda a diferença entre dia e noite, que se assusta com a escada rolante do shopping e nunca tinha entrado em um mercado”, conta Luciana. Desde que foram adotados, as quatro crianças contam com acompanhamento de psicólogo e fonoaudiólogo.

Nelly também enfrentou a mesma dificuldade com seus filhos adotivos, que descobriram um mundo novo ao chegarem em casa. “Eles não conheciam as cores nem os dias da semana, eram institucionalizados, pouco estimulados”, diz. Outro problema foi o comportamento agitado do filho mais velho que, segundo ela, foi ficando mais tranquilo ao longo do tempo. “Não importa o que eles trazem, nós é que formamos a índole, eles absorvem o exemplo de honestidade e responsabilidade que têm em casa”, conta Nelly.

Mudanças na rotina – Hoje a rotina da família de Luciana começa às 5h30, quando os pais levantam para preparar as seis lancheiras da escola. “Nosso estilo de vida mudou totalmente e o nosso salário vai todo para as crianças, não temos babá e cortamos viagens”, diz. Nelly já passou por essa fase, mas conta que em três meses após a adoção das crianças seus cabelos ficaram totalmente brancos. Hoje seus filhos têm entre 16 e 25 anos e trabalham com os pais em uma empresa de dedetização e imunização. Para ela, o tabu de que é problemática a adoção de crianças mais velhas não deveria existir. “Hoje tenho um orgulho enorme deles, são carinhosos e trabalhadores, me sinto uma mãe abençoada”, conta Nelly.

CNA – Em 2015, o CNA foi reformulado, simplificando operações e possibilitando cruzamento de dados mais rápido e eficaz. No entanto, o cadastro pode não refletir o número total de adoções realizadas, já que nem todas são informadas pelos magistrados à Corregedoria Nacional de Justiça.

Acesse aqui o CNA.

Luiza Fariello
Agência CNJ de Notícias