Debater a judicialização da saúde tem a mesma urgência de quem sofre com a dor causada por uma doença. Com essa imagem, em reunião realizada no CNJ segunda-feira (4/12), a presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, defendeu perante representantes da indústria farmacêutica a necessidade de se debater alternativas para o Poder Judiciário fazer frente ao número crescente de ações judiciais para garantir remédios, cirurgias ou tratamentos relacionados ao direito à saúde.
“O que procuramos aqui é abrir cada vez mais o debate sobre a saúde porque a dor é urgente. A dor estabelece uma urgência para quem sofre e para o agente público a quem se recorre (para pôr fim à dor), seja ele Executivo ou Judiciário. Acho que essa questão não é só do Estado, é de toda a sociedade. Por isso é tão importante abrir a discussão e buscar a melhor alternativa para que os brasileiros não imaginem que o direito à saúde – uma conquista tão importante da nossa geração – fique no papel. É um tema muito grave e candente porque, como digo sempre: quem tem dor tem pressa”, afirmou a ministra.
Cármen Lúcia participou da reunião do Comitê Executivo Nacional do Fórum da Saúde, criado pelo CNJ, com representantes da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).
De acordo com a ministra, a quantidade de ações não é o principal problema da judicialização, diante da prestação deficiente dos serviços de saúde à população brasileira.
“O que nos preocupa não é o número de processos relativos à saúde que chegam aos tribunais. O que me preocupa – e a todos nós, acredito – é que há um direito constitucional à saúde e isto é um direito fundamental para a dignidade da vida. Se o número de ações que ingressam em juízo corresponder a uma má prestação dos serviços de garantia dos meios de saúde para os cidadãos, eu preciso re-estruturar o Poder Judiciário porque não estamos colocando em questão o direito fundamental à saúde. A Constituição Federal começa, no artigo 1º, por colocar como princípio fundamental da República Federativa do Brasil a dignidade humana”, afirmou.
Cármen Lúcia reunida com representantes da indústria farmacêutica para avaliar ações judiciais sobre remédios. FOTO: Luiz Silveira/CNJ
Complexidade
A ministra lembrou, no entanto, que a prestação do serviço de saúde por força de decisão judicial não é a ideal, pois expõe magistrados a decisões urgentes e pressiona os limites do orçamento público. “Os governadores, sobretudo, nos dizem que muitas vezes um juiz dá uma decisão, às vezes uma liminar (provisória, de efeito imediato), para obrigar o Estado a comprar um medicamento importado, quando há outro com os mesmos efeitos, de acordo com a medicina de evidências, mas muitas vezes o juiz tem uma madrugada para decidir se atende ou não atende àquele pleito. Um governador me disse, assim que eu entrei no STF, que gastava 18% do orçamento da Saúde do seu estado (com 16 milhões de habitantes), para cumprir decisões judiciais em favor de 300 pessoas. São escolhas trágicas para o gestor público e para o juiz”, afirmou.
Fórum da Saúde
A reunião com a indústria farmacêutica é uma das atividades do Comitê Executivo Nacional do Fórum da Saúde, integrado por magistrados, representantes do ministério público e da defensoria, gestores executivos e acadêmicos com a finalidade de monitorar e propor soluções para as demandas ligadas à saúde submetidas aos tribunais. O supervisor do comitê e conselheiro do CNJ, Arnaldo Hossepian, sublinhou o fato de que mudanças administrativas precisam ser operadas no Judiciário, uma vez que “a Justiça é o último refúgio da esperança, especialmente para quem sofre de uma doença grave”.
Indústria
O presidente-executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Antônio Britto, apontou a complexidade do fenômeno da judicialização. Britto enumerou três tipos de demanda levada à Justiça. O primeiro se refere a algum reparo demandado em juízo por causa de alguma negligência ou falha administrativa do poder público. Existem também pedidos motivados por tratamentos experimentais sem eficácia ou segurança comprovada.
Uma terceira forma de judicialização ocorre quando um paciente pede que o Estado forneça um medicamento que, embora registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O representante da interfarma pediu uma discussão sem maniqueísmos. “Não se pode tratar a judicialização como obra de criminosos, destinada a pilhar os recursos públicos, nem considerar a judicialização como uma espécie de santa distribuição da justiça”, afirmou.
Audiência pública
No dia 11 de dezembro, Justiça e Saúde serão debatidos em audiência pública promovida pelo CNJ. A proposta é discutir com a sociedade brasileira a atuação da Justiça em processos movidos para atender demandas relativas à saúde. O acesso a serviços e a tecnologias de saúde serão levados à discussão no evento, marcado para as 9 horas da próxima segunda-feira (11/12).
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias