Mudanças legais e atualizações no CNA contribuem para aumento das adoções

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A legislação que rege a adoção no Brasil passou por modificações nos últimos anos, com o objetivo de dar celeridade ao processo – desde a habilitação ao Cadastro Nacional de Adoção (CNA) até sua efetivação -, mas sem perder a segurança jurídica. As mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) aplicaram o prazo de 120 dias para a habilitação de pretendentes; destituição do poder familiar, colocando as crianças para disponibilidade no cadastro de adoção; e da adoção efetiva.

Em 2009, a Lei n. 12.010, conhecida como “Lei da Adoção”, retirou a regulamentação do Código Civil, passando o tema para o escopo do ECA. Já em 2017, a Lei n. 13.509 modificou o Estatuto, reduzindo prazos e reforçando o instituto da adoção dentro do sistema e da proteção jurídica.

O advogado Hugo Damasceno Teles, representante da ONG Aconchego, de Brasília/DF, e da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), disse que os debates para a reforma das regras de adoção no Brasil começaram no Ministério da Justiça, no final de 2016, voltados para a otimização e desburocratização dos procedimentos existentes. Contudo, apesar de ter realizado uma consulta pública sobre a questão, o projeto de lei oriundo do trabalho do ministério não seguiu em frente.

No início de 2017, o deputado federal Augusto Coutinho (SD-PE) dirigiu os debates na Câmara dos Deputados, recebendo propostas da sociedade civil. A partir disso, o projeto deu origem à Lei n. 13.509/2017, cuja finalidade era otimizar e desburocratizar todas as etapas do processo de adoção. O ECA também reforçou os mecanismos alternativos de efetivação de direitos desenvolvidos pelos Grupos de Apoio à Adoção (GAA), como o apadrinhamento afetivo e o acolhimento familiar, além de tornar os grupos parceiros de todo o sistema de defesa da infância e juventude.

Teles defendeu a importância da redução dos prazos, especialmente para as crianças que esperam por uma família. “Um dos maiores problemas anteriores à Lei n. 13.509/2017 era a falta de um limite temporal objetivo para que as crianças que viviam em abrigos tivessem a sua situação definida pelo Estado. A maior parte das crianças institucionalizadas não está disponível para adoção nem se encontra na família de origem, pois estão abrigadas. Hoje, há prazos para que essa definição ocorra”, ressaltou. O ideal, explica o advogado, é que haja condições de retorno aos lares anteriores. “Se isso não for possível, é importantíssimo que se conclua de modo célere e seguro, para que oportunidades de adoção não se percam”, disse.

Dificuldades

O juiz Elio Braz Mendes, da 2ª Vara da infância e Juventude de Recife (PE) disse que as mudanças na lei foram positivas, pois forçaram a celeridade procedimental. “Para cumprir os prazos, é preciso que o magistrado mude o fluxo da ação, para acelerar o processo. Não há burocracia. Há procedimentos seguros”, afirmou. Ele reconheceu, porém, que falta reforçar a estrutura de pessoal das varas de infância e da juventude (VIJ), como está previsto na Resolução 53/2008 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), realizando concursos para as áreas especializadas, como psicólogos e assistentes sociais. A defasagem de servidores tornou-se um impeditivo para o cumprimento dos prazos.

No Distrito Federal, por exemplo, o tempo de espera para a habilitação das famílias é de oito a 14 meses, período muito acima do previsto pelo ECA. “Há uma disposição do Judiciário para aplicar a lei e dar celeridade à tramitação prioritária de crianças. Mas é preciso ampliar os recursos humanos, principalmente, nos contextos funcionais das VIJs no país”, disse o supervisor da Seção de Colocação em Família Substituta (SEFAM/VIJ-DF), Walter Gomes.

Para atender essa demanda, o Fórum Nacional da Infância e Juventude (Foninj), coordenado pelo CNJ, está fazendo um levantamento sobre o funcionamento das coordenadorias da infância e da juventude (CIJ) em todo o país, por meio de questionários enviados aos Tribunais de Justiça. A partir do mapeamento das condições e estrutura de funcionamento desses setores, o Fórum vai propor medidas administrativas e melhorias para o aparelhamento das CIJ.

Segundo o coordenador do Foninj, conselheiro Luciano Frota, o diagnóstico sobre o funcionamento das coordenadorias, criadas pela Resolução CNJ n. 94/2009, vai apontar se elas existem, se estão funcionando e se contam com uma estrutura suficiente para desenvolverem suas atividades, principalmente no tocante à equipe multiprofissional. “Nós temos pressa para que isso aconteça, porque o problema relacionado à infância e juventude não pode esperar. Queremos que tudo isso seja resolvido ainda este ano. Isso é a base do Foninj. É a partir disso que conseguiremos incrementar as atividades do Fórum, a partir do CNJ, mas de forma descentralizada com as CIJs de todos os estados. Estamos esperançosos”, ressaltou o conselheiro.

O CNJ também está aplicando as ações do Pacto Nacional da Primeira Infância, que é um instrumento para fazer as estruturas voltadas para a infância funcionarem adequadamente, propondo proteção integral às crianças de até 6 anos. O objetivo do Pacto é sensibilizar sobre a importância da primeira infância e a disseminação de informações sobre o marco legal. Estão previstos, para tanto, a realização de premiações de boas práticas, além de trabalhar a capacitação dos atores da Justiça, serão realizados seminários regionais e um nacional para tratar do tema. O primeiro seminário regional acontecerá no dia 25 de junho, em Brasília, como fruto do projeto “Justiça Começa na Infância: fortalecendo a atuação do sistema de justiça na promoção de direitos para o desenvolvimento humano integral”.

Aumento de adoções

O tempo de espera de quem está aguardando uma criança para adotar depende também do tipo de perfil que a família definiu no formulário de habilitação. Quanto menor a exigência – de cor, idade, ou se aceita grupos de irmãos, por exemplo –, mais rápido é possível completar o processo. Em Pernambuco, as famílias que se habilitam para crianças mais velhas, acima de 12 anos, têm o processo da adoção concluído em 48h. “Não temos crianças abaixo de 12 anos no Cadastro de Adoção do Estado. Em média, 300 famílias participam de nosso encontro de pretendentes, por ano”, explicou o juiz Élio Braz.

No DF, segundo dados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), foram adotadas 91 crianças e adolescentes, em 2018, contra 82, no ano anterior. Além disso, foi verificado crescimento expressivo na adoção de grupos de irmãos – de 13, em 2017, para 18, em 2018 – e de adolescentes – de dois para oito –, no mesmo período. Para o supervisor da SEFAM/VIJ-DF, os novos números da adoção no Brasil já refletem uma mudança gradativa no perfil clássico da adoção, em que a preferência dos adotantes recai em crianças recém-nascidas, saudáveis e sem irmãos. Walter Gomes acredita que esse ainda é o perfil majoritário, mas já é possível perceber mudanças, ampliando a representação da criança esperada.

Esse resultado, para ele, é fruto de uma série de fatores, como as mudanças na lei; a atuação dos Grupos de Apoio à Adoção; as campanhas realizadas pelos tribunais. Em Busca de um Lar é um projeto do TJDFT que apresenta as crianças como protagonistas da adoção, a exemplo do que também vem sendo feito pelos tribunais de Justiça de Pernambuco, de São Paulo, do Paraná, do Espírito Santo, do Mato Grosso, de Santa Catarina e de Rondônia; e as atualização no CNA.

Para o corregedor nacional de Justiça do CNJ, ministro Humberto Martins, a evolução do CNA reflete as mudanças da própria sociedade e da política pública do sistema de justiça, porque a criança passa a ser o foco, uma vez que se busca uma família para a criança e não mais uma criança para uma família. Uma nova versão do cadastro está sendo formatada a partir de propostas feitas pelos magistrados e pela sociedade, buscando ser uma ferramenta célere e operacional, mas com transparência e legitimidade. As atualizações no CNA trouxeram a inclusão, no mesmo banco de dados, dos cadastros de acolhimento e de adoção, o histórico das crianças de todo o Brasil e, assim, com mais precisão, os juízes, os tribunais e o próprio CNJ passam a ter dados sobre o perfil de crianças e adolescentes que estão acolhidos. “Dessa forma, pode-se desenvolver projetos e, no futuro, políticas de adoção direcionadas a um público específico, como já vem acontecendo, com muito mais eficiência, em alguns estados”, explicou o corregedor.

Lenir Camimura Herculano
Agência CNJ de Notícias